domingo, 25 de dezembro de 2016

Segredos de um Prisioneiro



Segredos de um Prisioneiro


Nunca pensei que um dia tivesse a coragem de falar diretamente sobre isso. É uma dor tão bem guardada desde a infancia, uma tristeza e uma apatia pela vida... que vida?

Dediquei-me a espiritualidade com o objetivo de “corrigir”, aceitar nunca, curar sim, entender o porque deste castigo, deste carma.

Sempre me senti numa prisão. Uma prisão de mim mesmo, escondido entre sorrisos e loucuras. Na solidão, dei vazão a fantasia, que me beneficiou sempre, afastando de mim o desespero e o encontro com a morte. Aliviou a dor de me olhar no espelho e de ouvir meus filhos me chamando de mãe.

Tentei de tudo para encontrar a cura. Tentei de tudo esconder de mim e do mundo a aberração que eu via em mim. Eu nunca consegui ser feminina como era pra ser. Eu nunca me senti mulher. Eu sempre me senti um homem aprisionado, oprimido, culpado, julgado e jurado de morte.



No trabalho, ainda bem, tinha momentos que me sentia muito bem. Fui policial e podia então ter meu jeito desengonçado de ser mulher muito macho.

Construi um personagem socialmente aceito, pois no meu tempo de adolecente falar sobre esse assunto era tabu e eu nem conhecia ninguem igual a mim. Não conhecia nem um gay masculino, quanto mais feminino. E eu nunca me considerei gay, ficava com ódio quando me chamavam de lésbica, o que foi pergunta do meu teste para entrar na polícia. Incoerentemente ou por questão de sobrevivencia, eu neguei, por que sempre neguei minha condição. Sempre neguei a mim mesmo. Chorei na ocasião, não sei se de raiva ou desespero por terem percebido meu grande “defeito”.

Tendo sido criada como filha única numa familia católica, não tinha irmãos e irmãs para me vigiarem ou descobrirem meu segredo. No começo eu sentia falta deles. Achava que com eles tudo teria sido diferente... hoje eu agradeço por ter sido assim.

Eu trancava meu quarto e mantinha minhas coisas uma bagunça total, onde somente eu entrava e conseguia me entender. Assumi o compromisso de limpeza dele assim que menstruei a primeira vez.

Comecara, então, as mudanças naturais do corpo e o meu castigo. Era um tormento, a pior sensação que tive durante minha vida. Aquela esperança de criança de dormir menina e acordar menino nunca iria acontecer de verdade. Fora uma ilusão, um solho frustrado.

Restava-me a fantasia!

Na realidade restava a morte lenta e dolorosa do cotidiano, onde deixava de viver e ia seguindo adiante conforme os paradigmas.



Casei, tive filhos, namorei com rapazes quando estava apaixonado por uma menina e queria me curar ou me punir do tremendo pecado que estava cometendo.
Nunca me senti tão imundo quando das relações que tive com homens. E qualquer um que chegasse perto de mim com essas intenções corria serio risco de vida, pois eu so pensava em mata-lo ou me matar. Era a punição de um grande pecado que eu deveria ter praticado em vidas passadas! Eu devia ser infeliz a vida inteira, neste corpo horrível!

Ainda bem que nunca tive coragem suficiente para isso, pois das duas últimas vezes que pensei seriamente no assunto, foi a visão dos meus filhos pequenos que me removeram ou adiaram a ideia de suicídio.

Hoje tenho um filho de onze anos! A idéia continua adiada.

Assistindo recentemente videos vejo que para os jovens que passam pela mesma situação de descobertas que passei, existem saídas. Para mim não existe mais. Estou no meu modo andrógeno de sempre. Nem uma coisa nem outra e totalmente sem esperança de ainda ser feliz.

Frustrado? Não. Eu consegui viver com meus dilemas e construi coisas lindas. E tentei me destruir sempre. E sempre me reconstruia em cima das minhas próprias cinzas. Sempre por um motivo externo de mim. Minha vida comigo sempre foi uma merda!

Hoje estou novamente aqui, me sentindo mal. Mas sei que isso vai passar. Sempre passou. Sei que fiz escolhas e vou com elas até o fim. Sei que estou sozinho nesta e vou continuar sozinho, ou aparentemente sozinho. Vou continuar vivendo, contudo sem me punir. Quero a liberdade de ser apenas eu mesmo, sem explicar nada pra ninguem e isso a idade me da a cobertura suficiente... velhos ninguem olha, ninguem entende, ninguem quer saber, ninguem quer contato!



Eu sou velho, velho por dentro, cansado de fingir que sou outra pessoa, cansado de vestir uma personagem, cansado de exposição. Quero ficar comigo e chegar ao fim com tranquilidade de ser apenas eu mesmo de preferencia numa casa sem espelhos.

Eu sempre fui um homem disfarçado. Já não quero mais me fantasiar de mulher! Evito as roupas e os trejeitos que me obriguei a aprender, para fazer parte do grupo, o mesmo grupo que hoje despreso.

Eu não gosto de gente. Eu não gosto de pessoas e nem do que elas pensam ou falam. Eu não quero ninguem. Eu quero ser apenas eu mesmo e somente poderei ser eu mesmo em paz se estiver sozinho, no meu lar, no meu interior.



Dentro de mim eu tenho paz, eu sou paz. Dentro de mim eu sou livre. Dentro de mim eu sou apenas eu mesmo, sem rotulos, sem gêneros, sem obrigações, sem diferenças, sem preconceito.



Hoje, 05.05.16, revisado e reescrito em 25.12.16

Eu.


FWagner


quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Essa tal felicidade...



ESSA TAL FELICIDADE!

Hoje aproveitei para observar os rosto das pessoas que cruzavam comigo ou que utilizavam o mesmo transporte público. Quem eu procurava? Um rosto feliz! Depois, um rosto alegre! Depois, um rosto saudável!

O que observei passivamente?

Apesar de estar tranqüilo eu vi rostos fechados, preocupados, raivosos, tristes, apressados... mas não encontrei os que procurava. Sorri para alguns que nem perceberam. Outros estavam absortos em seu mundo de fantasia (virtual) mantendo-se fechados para os próximos que lhe circundavam o ambiente, vivendo em verdadeiras bolhas de ilusão ou isolamento com os velhos e conhecidos amigos, sem se abrirem para o novo.

Tudo bem, pensei. A escolha de cada um. Assim são felizes.

Vi sorriso no rostinho de crianças que mães preocupadas e apressadas levavam para a escola ou creche! Elas ainda demonstram a felicidade da infancia e a inocencia.

Então perguntei: Querida, onde estão os felizes?

Ela me respondeu: “Você acha mesmo que há muitos felizes neste mundo? Se a maioria fosse feliz não existiriam religiões, autores de livros de auto-ajuda não enriqueceriam, psicólogos e psiquiatras teriam que mudar de profissão, e assim por diante. A felicidade não precisa de ajuda, não traz solidão, não deixa o coração vazio; a felicidade é o balsamo da alma saudável.

“O mundo, a sociedade é incapaz de produzir felicidade. Todos estão tentando. Poucos encontraram a fórmula ideal, e ainda assim, existem momentos difíceis. Lembra da letra daquela música que gosto tanto... “viver é simplismente compreender a marcha e seguir em frente”... cada um no seu ritmo em busca da satisfação, do prazer, interior e/ou exterior. Porem vivemos todos juntos e misturados e não nos compreendemos e nem a nós mesmos.”

Ela parou. Havia chegado o momento de seguirmos rumos diferentes.

Um sorriso, uma piscada de olho: nosso jeito de dizer até mais tarde e eu te amo.

Continuei refletindo em suas palavras. Realmente ela tinha razão, como sempre, aliás.

Então qual foi a fórmula da nossa felicidade?

Compreendemos nossa marcha e estamos caminhando como todos neste mundo para a convivência pacífica. Conseguimos nos entender em plenitude. Deixamos de lado muitas coisas para vivermos juntos e não cobramos do outro essa “dívida” por que somos conscientes que o fizemos por que queríamos. Sabemos que tudo passa e aproveitamos os pequenos momentos juntos para sorrir e viver o agora sem trazer para nossa cama ou para nosso relacionamento as dores e mágoas do passado. Viramos as páginas diariamente, deixando registrados momentos de ternura, compreensão e companheirismo. Não nos cobramos “fidelidade” e com isso não sentimos ciúme um do outro nem, tão pouco, a “obrigação” de estar juntos. Entendemos a nossa humanidade e nossa imperfeição, sendo realistas quanto ao outro, construindo um relacionamento sem fantasias. Eu não espero nada dela e ela nada de mim. A cada dia nos conhecemos e a química continua dando certo e vamos nos envolvendo com o todo.

Sei la! São tantas coisas pequeninas do dia-a-dia e acho que a fórmula não existe. Não há caminho certo ou errado. Não existe modelo ou perfeição.

A vida é como andar num fio esticado entre os picos de duas montanhas, com um abismo profundo sob nossos pes. Requer equilíbrio e concentração para cada passo.

Continuei meu caminho e parei de pensar sobre o assunto.

Voltei a viver o presente!



F. Wagner

Viena, 28.11.16

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

SE condicional




SE….

Estava voltando para casa um dia desses e olhando para o céu, falei para ela: „Já pensou se eu tivesse nascido um menino... como eu teria vivido plenamente!”

Ela olhou pra mim e me forcou gentilmente a parar, ali mesmo, no meio da calçada. Olhou bem dentro dos meus olhos, como sempre faz e perguntou? – “Você não esta vivendo plenamente? O que lhe falta? E porque o “se”?”

Então vi que de alguma forma meu devaneio a tinha atingido; ela revidou com uma pergunta inteligente que me fez pensar e buscar as respostas.

Continuamos andando para pegar o onibus para casa. E durante o caminho, calado, fui pensando...

A partícula “se” como pronome é condicional, isto é, declara uma condição.

Como condição, não é verdadeira a informação que ela expõe, e sim um desejo ou um fato que não aconteceu e/ou nunca vai acontecer... ou uma condição para que algo que queremos aconteça.

Quando usado para os outros ou para uma coletividade, torna-se uma condição de conduta para a qual se receberá a recompensa que se deseja.

Então o “se” qualquer coisa é muito perigoso. Pode ser instrumento de manipulação, de controle, até mesmo social (veja-se no caso das normas), de chantagem inclusive e mais freqüente, a chantagem emocional.

O “se” pode nos deixar frustrados quando usamos contra nós mesmos e é exatamente deste “se” que quero falar.

Quando eu uso o “se” em relação a algo da minha vida que não aconteceu e eu acho que teria sido melhor “se” aquela condição houvesse acontecido, estou me julgando, estou insatisfeito com minha conduta, ou com o resultado de todas as atitutes que me trouxeram até o presente.

Normalmente nunca pensamos que “se” tivesse acontecido, nosso presente seria outro totalmente diferente do que é agora. E será que estariamos mesmo mais felizes? Será que tínhamos conhecido as mesmas pessoas? Será que teríamos tido as mesmas experiências?

Algo mudando no passado, o futuro que não existia naquele momento, tambem mudaria. Mil possibilidades! Milhões de possibilidades. O futuro é uma possibilidade entre milhões.

A verdade é o fato. O que acontece e a gente vive no hoje é a nossa verdade. Tentar imaginar uma mudança no passado para que tivéssemos outros fatos no presente, no mínimo, é frustração com o presente; não aceitacao dos fatos como realmente são; infelicidade!

Concluo que, usar o “se” mesmo num devaneio é estar julgando meu passado como errado. Estando insatisfeito com o passado, significa que estou insatisfeito com o presente e que estou me julgando desfavoravelmente.

Por que fazer isso comigo?

Por que me julgar desta forma?

Estando insatisfeito com o presente, nunca vou poder mudar o passado. É mais viavel mudar o presente para que tenha outras possibilidades de futuro. Aceitar o passado e aprender a mudar no agora me torna mais feliz por ter consciencia de que nunca errei. Eu acertei em tudo que fiz. Eu fiz o melhor que podia dentro das circunstancias daquele momento. E hoje reconheço como vitórias todas as verdades, todos os fatos, pela resposta do presente. Foi exatamente no passado que construi este presente.

Estou feliz.

Por isso, antes mesmo que chegassemos na parada do onibus, eu lhe fiz parar do mesmo modo e lhe beijei gentilmente a testa agradecendo aquelas perguntas que me fizeram meditar.


Viena, 13 .12.2016